O processo de internalização de atos internacionais no Brasil sob a ótica dos processos políticos

Alexandre Batista
16 min readApr 22, 2024

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Palácio Itamaraty — Acervo pessoal do autor.

Do ponto de vista histórico, a celebração dos tratados internacionais é mais antiga do que a própria existência de Cristo. Registros apontam a celebração da paz entre Hatusil III, rei dos Hititas, e Ramsés II como o primeiro tratado bilateral. Este pôs fim à guerra nas terras sírias entre 1280 e 1272 a.C.[1] Tal instrumento cuidou, ainda, de temas correlatos ao comércio, criação de alianças contra inimigos comuns, migrações e extradições. Dando um salto cronológico, faz-se necessário lembrar a série de tratados assinados ao término da Guerra dos trinta anos (1618–48) que culminariam no processo conhecido por paz de Westfália.

Vizentini[2] assevera que os tratados celebrados em face da paz de Westfália marcaram as Relações Internacionais, uma vez que trouxeram uma nova estrutura política e legal às relações entre Estados. A partir deles, conceitos como os de soberania territorial e não- intervenção em assuntos internos de outros países passaram a permear as relações externas.

No Brasil, tais conceitos ganharam grande relevo a partir da gestão do Barão do Rio Branco (1902–1912), quando a diplomacia nacional definiu o traçado do território nacional por meio de negociações. Isso se deveu, em boa medida, ao processo de superação da crise da Guerra da Tríplice Aliança[3] (1870), quando o Brasil passou a adotar postura política com vistas a solução pacífica dos conflitos. Com a ascensão de Rio Branco ao cargo de chanceler, em 1902, instituiu-se no Itamaraty a chamada ‘’diplomacia do conhecimento’’, onde o uso do Direito das Gentes, da História e da Geografia tornaram-se importantes guias para a formulação de políticas de proteção da soberania nacional.

Tamanha importância têm as noções de soberania e não intervenção que, quase um século depois, durante o período de redemocratização brasileira, o constituinte optou por inseri-las no rol de preceitos fundamentais da República Federativa do Brasil, mais precisamente nos artigos 1º, I, e 4º, I e IV, da Constituição Federal de 1988. É, inclusive, com o advento da Constituição Federal de 1988 que se inaugura um fato inédito na história constitucional do Brasil: a inserção de um artigo que cuida exclusivamente das relações internacionais do país.

Dessa forma, o Legislativo optou por estabelecer que a projeção internacional pautada no respeito ao Direito Internacional seria norma fundamental da República Federativa do Brasil e que caberia ao chefe do Poder Executivo — Presidente da República — a competência privativa de manter relações com estados estrangeiros, bem como a celebração de tratados, convenções e atos internacionais.[4]

Destaca ainda o texto constitucional que, além do Executivo, detém grande peso no processo de internalização dos tratados internacionais o Poder Legislativo, na figura do Congresso Nacional. Ambas as Casas — Câmara dos Deputados e Senado Federal, separadamente, atuam na análise dos atos internacionais, podendo sugerir, inclusive, que ele não prospere. Em um país como o Brasil, cujo arranjo institucional é presidencialismo de coalizão, e as relações entre Poderes precisam de constante articulação, não se pode desconsiderar a relevância tanto do Poder Executivo quanto do Poder Legislativo no processo de tomada de decisões.

Por meio deste ensaio busca-se compreender como se dá, de forma mais pormenorizada, o processo de internalização dos atos internacionais. Para isso, analisa os processos administrativos e políticos envolvidos, verifica os trâmites tanto no Poder Executivo quanto no Legislativo necessários até a entrada em vigor de um tratado no ordenamento jurídico brasileiro.

1. Definição de Tratados Internacionais;

1.1 Conceito

Os atos internacionais são os instrumentos mais relevantes para a política externa. É por meio de sua celebração que se torna possível medir a atuação diplomática de um país.[5] Nesse universo de atos, podemos encontrar diversos tipos de instrumentos, sendo o mais conhecido o tratado, que pode ser definido como sendo um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional. Nesse sentido, deve ser entendido como sendo todo acordo formal concluído entre pessoas jurídicas de internacional público, e destinados a produzir efeitos jurídicos. (REZEK, 2013).

Os tratados internacionais podem ser bilaterais ou multilaterais onde, os primeiros, são aqueles celebrados entre dois Estados. Já no caso dos tratados multilaterais, são aqueles oriundos de organizações internacionais ou coalizões de Estados. Podemos utilizar como exemplo os tratados que são originados das reuniões no âmbito da Organização das Nações Unidas, Organização Mundial do Comércio, Mercosul. BRICS, IBAS etc. Acordos Bilaterais têm efeito apenas e tão somente entre os países que o celebraram, já os multilaterais têm consequências jurídicas sobre todos os Estados membros da organização que o originou.

1.2 As competências Constitucionais do Poder Executivo

Constitucionalmente, encontra-se inserido no bojo do inciso VIII do artigo 84 a competência do Presidente da República para celebrar tratados, convenções e atos internacionais. Praxe encontrada em ambiente internacional, bem como inserida no texto da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados[6] (GABSCH, 2012, p.44). Como salienta Rezek (2013, p. 58) a voz externa de um Estado é, por excelência, a voz de seu chefe.

Ao ter em mente que a condução efetiva da política externa de um país cabe ao seu chefe, e levando em consideração a opção popular[7] pelo sistema de governo presidencialista, é ele a mais alta autoridade para representar o país em âmbito internacional. Nesse sentido, é possível depreender, ainda, que cabe ao Ministério das Relações Exteriores, órgão auxiliar do Presidente da República, negociar e celebrar todos os atos internacionais.

Verifica-se que o Poder Executivo desfruta de maior concertação de poder no plano internacional no que se refere ao processo de negociar em nome do país, uma vez que é o único Poder a reunir os elementos necessários para dar continuidade à política externa, dessa forma, garanta-se maior segurança ao Estado. (MEDEIROS, 2007, p. 154). Nesse sentido, considera-se que a política externa de um país está envolta em alto grau de complexidade, sendo demandado um processo cotidiano, repleto de dinamismo, traços encontrados apenas, e tão somente no Poder Executivo.

Poderes Legislativos possuem uma dinâmica mais morosa, repleta de atos complexos, intervalos e motivações políticas particulares, sendo, portanto, pouco adequado para cuidar das relações internacionais. Mesmo em países cujo regime é parlamentarista, cabe ao Chefe de Governo, figura com atuação Executiva e não Legislativa, a competência de celebrar tratados internacionais.

Ainda nessa esteira, cabe destacar, como dito anteriormente, que se estende ao Ministro de Estado das Relações Exteriores a competência de celebrar tratados, não necessitando esta autoridade de carta de plenos poderes para tal (GABSCH, 2012). Tal premissa se torna válida quando levamos em consideração os ditames constitucionais que aduzem ser o Poder Executivo exercido pelo Presidente da República, com auxílio dos Ministros de Estado. Para MEDEIROS (1995), essa extensão aos Ministros deve ser configurada como competência derivada ou ratione personae.

Tal competência é ainda estendida ao chefe de missão diplomática, Embaixador, uma vez que este é considerado um representante plenipotenciário do país. No entanto, se faz necessária a existência de ato celebrado entre o Estado de origem o Estado em que o acreditou. (GABSCH, 2012)

Recebem o nome de Plenipotenciário um dignitário com qualidade representativa bastante ampla (REZEK, 2013), responsável pelas relações exteriores de um país. Guarda divergência em relação ao Chefe de Estado, de acordo com a doutrina, pois possui representatividade derivada, ou seja, necessita de autorização para exercê-la. No caso do Presidente da República, portanto, entende-se que sua representatividade é originária.

1.3 As competências Constitucionais do Poder Legislativo

O artigo 49, I da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 delega ao Congresso Nacional a competência de resolver, de forma definitiva, sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

Para Mazzuoli (2001), o constituinte originário foi contraditório ao formular o texto dos artigos 49, I e 84, VIII, fazendo com que a celebração de atos internacionais devesse, obrigatoriamente, partir de uma relação entre os Poderes Executivo e Legislativo.

Isso ocorre muito em razão do que apregoa o artigo 2º, caput, da Carta Constitucional que consolidou como base jurídico-institucional em nosso país o princípio da Separação dos Poderes e, em consequência, o sistema de freios e contrapesos. Nele, os Poderes atuam de forma independente e harmônica, a fim de evitar excessos. O Poder Legislativo, tem, por excelência, a função típica de legislar, no entanto, em sede de funções atípicas, é ele o responsável pelo controle das atividades do Poder Executivo.

Logo, como bem assinalou o constituinte, caberá ao Congresso Nacional resolver de forma definitiva, isto é, em respeito à tripartição dos Poderes, deverá fiscalizar as ações do Executivo a fim de evitar que atos internacionais sejam gravosos ao interesse público. Nesse sentido, o Executivo estará impedido de expressar consentimento ao texto dos atos internacionais sem que, antes, passe pelo crivo do Congresso nacional. (GABSCH, 2012).

2 A atuação do Poder Executivo na internalização dos atos internacionais;

2.1 Das etapas de formação dos Atos Internacionais;

Uma vez concluída a fase de negociação internacional do tratado, bem como realizada a assinatura e estando o ato sob reserva de ratificação[8], deverá o Presidente da República, por meio de Mensagem, enviar seu texto para análise do Congresso Nacional. (GABSCH, 2012, p.46).

Ainda de acordo com Gabsch (2012, p.46), o Poder Executivo não está obrigado a enviar o tratado de forma imediato ao Legislativo, sendo discricionária a decisão de arquivá-lo ou, ainda, em razão de opção política, segurá-lo para posterior aprovação.

Tal alternativa política deriva de diversos fatores, tais como aspectos relacionados a conjuntura política, econômica, social, insatisfação com o texto acordado ou diretrizes de política externa do momento que não estejam em consonância com o texto do tratado (GABSCH, 2012).

No entanto, existem exceções à regra no que diz respeito ao poder discricionário do Executivo em decidir quando irá remeter textos de tratados ao Congresso, a exemplo do que ocorre nas convenções internacionais do trabalho. De acordo com o artigo 19, §5º, alínea b da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, o Poder Executivo terá de submetê-las ao Congresso Nacional, uma vez decorrido o prazo de um ano após o fim da conferência em que a convenção foi celebrada.

2.2 O papel do Ministério das Relações Exteriores;

O Ministério das Relações Exteriores tem papel preponderante em todas as etapas que permeiam os tratados internacionais. Seja no auxílio durante o processo negocial, ainda no exterior, seja dentro do país, é por meio do Ministro das Relações Exteriores que tem início o processo de envio do tratado para o Congresso Nacional.

O Ministro envia Exposição de Motivos ao Presidente da República, acompanhada do inteiro teor do compromisso, em língua portuguesa, além de um projeto de mensagem. Mais um vez, conforme exposto anteriormente, o Presidente goza de discricionariedade para decidir sobre a oportunidade e conveniência do tratado.

Uma vez que o Chefe do Executivo julgue o texto relevante, firma a mensagem e encaminha ao Congresso Nacional, juntamente com o texto e a exposição de motivos. (GABSCH, 2012). Os tratados internacionais serão discutidos e votados, separadamente, em ambas as Casas do Congresso Nacional, tendo início na Câmara dos Deputados, em regra, a Casa iniciadora do Processo Legislativo.

Administrativamente, o Ministério das Relações Exteriores conta com a Divisão de Atos Internacionais (DAI), que possui competência regimental para opinar sobre a processualística e a forma dos atos internacionais celebrados pelo Brasil, bem como cuidar da boa forma e da assinatura dos instrumentos relativos aos atos internacionais a serem celebrados pelo Brasil.[9]

O Ministério conta, ainda, com a Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares (AFEPA), que tem a competência regimental para promover a articulação entre o Itamaraty e o Congresso Nacional.

2.3 O papel da Casa Civil da Presidência da República

O Decreto 8889/16 cuida da Casa Civil da Presidência da República, que tem como atribuição maior assistir direta e imediatamente o Presidente da República no desempenho de suas atribuições. Cabe a ela atuar na integração das ações do Governo Federal junto aos demais atores da Administração. O referido diploma legal assevera ser competência da Casa Civil fazer a verificação da legalidade e análise prévia de constitucionalidade dos atos presidenciais.

Em relação aos tratados internacionais, a Casa Civil possui relevante papel no tocante à sua tramitação. Cabe a ela o envio do compromisso convencional ao Congresso Nacional. Para tal, o Gabinete do Ministro das Relações Exteriores envia o texto convencional e Exposição de Motivos até a Casa Civil, que distribui os documentos para a Subchefia de Assuntos Jurídicos e para a Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais, recebendo, nesses setores, pareceres acerca da constitucionalidade, legalidade e mérito (GABSCH, 2012).

Havendo manifestação favorável à tramitação do tratado, submete-se ao Presidente da República minuta de mensagem e, uma vez assinada, seguirá a remessa para que o Poder Legislativo possa cumprir com seu papel constitucional de controle.

3. A Atuação do Poder Legislativo na internalização dos atos internacionais;

3.1 O Processo Legislativo dos Atos Internacionais

Como visto acima, após o recebimento da Mensagem Presidencial e da Exposição de Motivos do Ministério das Relações Exteriores, e uma vez protocolizado no Congresso Nacional, o Presidente da Câmara dos Deputados fará distribuição do texto para análise das Comissões Temáticas pertinentes[10].

Os atos internacionais possuem tramitação em regime de prioridade, uma vez que, em consonância com o artigo 151, II, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, os Projetos oriundos do Poder Executivo deverão ser apreciados em regime diferenciado.

Uma vez estando na primeira comissão temática pertinente, o ato internacional terá o prazo para exame de dez sessões. É a regra apregoada pelo artigo 52, inciso II do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Superados os prazos regimentais, é feita apresentação do Projeto de Decreto Legislativo — PDC, realizado pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. A partir deste ponto, o regime de tramitação passa a ser urgente, conforme estabelece o artigo 151, inciso I, alínea ‘’j’’ do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, devendo ser discutido e votado ao mesmo tempo, em cada uma das comissões em que estiver distribuído.

Entende-se por regime de urgência a dispensa de exigências, interstícios e formalidades regimentais, tais como diminuição de prazos, possibilidade de serem proferidos pareceres orais, apreciação da matéria de forma conjunta pelas comissões, conforme exposto anteriormente, diminuição do dos oradores para discussão e encaminhamentos (CARNEIRO, 2016).

A partir da edição do Projeto de Decreto Legislativo — PDC, seu prazo de tramitação será de cinco sessões, conforme estabelece o artigo 52, inciso I, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Superado este período, o PDC poderá ter votação em caráter conclusivo, ou seja, não irá ao Plenário, conforme determinação constitucional[11], sendo encaminhada para o Senado Federal, em seguida.

Em relação ao Senado Federal, o regimento interno, em seu artigo 376, dispõe que a tramitação dos atos internacionais somente terá início se estiver devidamente acompanhada de cópia autenticada, em português, do respectivo ato internacional, bem como da mensagem Presidencial de encaminhamento e da Exposição de Motivos Ministerial.

Após seu recebimento, será lido em Plenário, no período de Expediente[12], em seguida, o projeto será publicado e distribuído em avulsos, acompanhados da Mensagem Presidencial e da Exposição de Motivos, e despachado à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.[13]

Uma vez recebido o PDC pela Comissão, será aberto prazo regimental de cinco dias úteis subsequentes à distribuição dos avulsos para que os parlamentares tenham a oportunidade de apresentar emendas. Superado este prazo, a Comissão terá quinze dias úteis, prorrogáveis por igual período para opinar sobre o projeto. Concluídos todos os prazos e publicado o parecer e as emendas, e distribuídos os avulsos, a matéria será incluída na Ordem do Dia[14].

3.2 O processo legislativo dos tratados internacionais de direitos humanos: rito especial e comum;

Tratados Internacionais que versem sobre temas de Direitos Humanos terão tramitação especial no Congresso Nacional. Para tal, faz-se necessário estabelecer a existência de uma hierarquia entre as normas. De acordo com o princípio da compatibilidade vertical, depreende-se que as normas somente serão válidas se estiverem em conformidade com a norma superior.

Nesse sentido, verifica-se a existência das normas com hierarquia constitucional, ou seja, normas da Constituição Originária, bem como as Emendas à Constituição e os tratados sobre Direitos humanos aprovados pelo trâmite de emendas. Estas possuem supremacia e não estão subordinadas hierarquicamente a nenhuma outra norma. (CAVALCANTE FILHO, 2017).

Existem, ainda, as normas inseridas no rol da hierarquia supralegal que, como aduz Cavalcante Filho (2017), são normas intermediárias, estando abaixo da Constituição, mas acima das demais normas. Nesse universo estão inseridos os tratados internacionais sobre direitos humanos que não foram aprovados pelo rito de Emenda à Constituição ou os aprovados antes de 2004, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal. Diante disto, temos duas possibilidades de aprovação e parametrização dos Tratados Internacionais que tratam de matérias de Direitos Humanos:

1. Tratados Internacionais de Direitos Humanos com força de Emenda à Constituição: São aqueles aprovados em conformidade com o rito das Propostas de Emenda à Constituição, ou seja, precisam ser aprovados por ambas as Casas do Congresso Nacional, de forma individualizada, por 3/5 de seus membros, em dois turnos distintos de votação;

2. Tratados Internacionais de Direitos Humanos aprovados em rito comum: São aqueles que seguiram ritos comuns, aprovados antes de 2004.

3.3 Promulgação

A promulgação dos tratados internacionais tem a função de dar eficácia legal ao texto. Insere o ato negociado internacionalmente no ordenamento jurídico interno (MAZZUOLI, 2011). O Decreto Legislativo é promulgado por ato do Presidente do Congresso Nacional. Posteriormente, segue para publicação no Diário Oficial da União. No entanto, para que tenha eficácia, depende de Promulgação Executiva.

Esta ocorre quando o Executivo promulga o ato por meio de decreto do Presidente da República, referendado pelo Ministro das Relações Exteriores. Há casos de atos internacionais que dispensam a aprovação do Poder Legislativo, cabendo apenas sua publicação, não carecendo, portanto, de Promulgação.

Cabe destacar que a promulgação é apenas um ato de direito interno, não gerando nenhum tipo de obrigação no plano do Direito Internacional. Nesse sentido, não se deve confundir a promulgação com a entrada em vigor do ato em plano internacional.[15]

Conclusão

É vasta a leitura dentro da Ciência Política acerca das relações entre os Poderes Executivo e Legislativo. O presidencialismo de coalizão brasileiro tornou clara a necessidade que o Governo tem de formar amplas maiorias no Congresso Nacional para que não tenha sua atuação prejudicada. A aprovação de matérias de interesse da Presidência requer articulação intensa com parlamentares e outros atores.

O mesmo ocorre no que diz respeito à Política Externa Brasileira. A necessidade de boa interlocução entre Governo e Parlamento é mister para que o país possa usufruir de leis advindas do âmbito internacional. Para que tratados internacionais sejam aprovados, e, consequentemente, internalizados no ordenamento jurídico brasileiro, o Governo precisa de articular com ambas as Casas do Congresso Nacional sua aprovação. Para tal, Ministério das Relações Exteriores e Presidência da República — isso quando não existem outras pastas do Governo interessadas na tramitação do projeto -, atuam de forma integrada e coordenada.

Verificou-se a relevância e poder garantidos pela Constituição ao Executivo. O Chefe de Estado é investido de ampla autoridade, necessária para que conduza de forma apropriada a Política Externa do país. Além da própria figura do Presidente da República, outros atores do Executivo possuem relevo na negociação de tratados internacionais. A exemplo do Ministro das Relações Exteriores ou dos Plenipotenciários, que também possuem credenciais para negociar em nome do país, ainda que suas habilitações sejam derivadas, ou seja, dependam de concessão de autoridade superior. Fato que não ocorre com o Presidente da República pois suas credenciais são inerentes ao cargo que ocupa, não carecendo, portanto, de concessão, uma vez que é ele a maior autoridade do país.

Em relação ao Poder Legislativo, verificou-se a existência de grande poder na condução do processo. Tal poder está forjado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 2º, que trata do princípio da separação dos Poderes. Historicamente o Legislativo é dotado de poder de controle, a fim de frear atuação do Executivo que venha a exorbitar seus poderes.

Por essa razão, inclusive, é que o processo legislativo como um todo, possui um tempo próprio. Mesmo levando em consideração os regimes diferenciados de tramitação dos tratados internacionais (regime de prioridade e de urgência), deve-se considerar a magnitude da responsabilidade que o constituinte reservou ao Legislativo. De acordo com o próprio texto constitucional, cabe ao Parlamento Nacional analisar tratados que possam atentar contra o interesse público.

Ainda no que concerne à tramitação, foi possível constatar a existência de diferentes ritos para tipos distintos de tratados internacionais. É o caso dos tratados internacionais de direitos humanos com caráter de Emenda à Constituição. Esse tipo de ato internacional possui rito próprio, mais complexo, uma vez que, caso aprovado, terá força de emenda à Constituição.

Para tal, exige-se discussão e votação em ambas as Casas do Congresso Nacional, em dois turnos, devendo ser aprovado por 3/5 dos parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Para que tratados de direitos humanos tenham força de emenda à constituição, deverão ter indicação específica do Poder Executivo.

Outro caso que merece destaque diz respeito aos tratados internacionais de direitos humanos aprovados antes de 2014. Após a resolução de imbróglio jurídico pelo Supremo Tribunal Federal, decidiu-se considerar que os atos internacionais citados acima deveriam ter força de norma supralegal. Em termos de hierarquia, as normas supralegais estão abaixo da Constituição e acima das normas infralegais. Demais tratados internacionais terão tramitação diferenciada — regime prioritário -, mas, se aprovados, receberão status de lei ordinária.

Diante das premissas acima, verifica-se que os tratados internacionais são instrumentos de extrema importância para o país, justamente por isso são dotados de complexidade desde sua fase embrionária até o momento em que são convertidos em lei interna de um país.

Outros instrumentos como a ratificação e denúncia, que embora tenham grande relevo para a compreensão do tema ficaram de fora deste ensaio, uma vez que se deu foco ao processo legislativo, tema ainda pouco explorado nas doutrinas de direito constitucional e internacional. Por essa razão, fez-se mister seguir na direção dos atos políticos e jurídicos que permeiam a internalização dos tratados internacionais.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988);

BRASIL. Decreto 8889/2016;

CARNEIRO, André Corrêa de Sá; SANTOS, Luiz Claudio Alves dos; NETTO, Miguel Gerônimo da Nóbrega. Curso de Regimento Interno. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara. 2016;

CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Processo Legislativo Constitucional. Salvador. Editora JusPodivm. 2017;

GABSCH, Rodrigo D´Araujo. Aprovação de tratados internacionais pelo Brasil: possíveis opções para acelerar o seu processo. Brasília: FUNAG. 2010;

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos Tratados. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2011;

MEDEIROS, Antônio Cachapuz de, et al. Desafios de Direito Internacional Contemporâneo. Brasília. Fundação Alexandre de Gusmão. 2007;

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso elementar. São Paulo. Saraiva. 2013;

VIZENTINI, Paulo Fagundes. O sistema de Westphália. Disponível em: http://educaterra.terra.com.br/vizentini/artigos/artigo_75.htm . 2017;

[1] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso elementar. São Paulo: Saraiva. 2013;

[2] VIZENTINI, Paulo Fagundes. O sistema de Westphália. Disponível em: http://educaterra.terra.com.br/vizentini/artigos/artigo_75.htm . 2017;

[3] Há autores que adotam o termo Guerra do Paraguai. No entanto, este auto optou por nomenclatura mais genérica do conflito.

[4] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Artigo 84, VII e VIII.

[5] Referência retirada do Manual de Procedimentos da Prática Diplomática do Ministério das Relações Exteriores. Nele, Diplomatas brasileiros têm um guia para compreender os procedimentos de negociação e formalização de diversos atos internacionais.

[6] O texto da norma internacional mencionada atribui ao Chefe de Estado a competência de celebrar tratados internacionais.

[7] Em 1993, por força de determinação do artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), os brasileiros foram às urnas em plebiscito nacional, para escolher a Forma e o Sistema de Governo a ser adotado no país. Venceram a República e o Presidencialismo, respectivamente.

[8] Conforme leciona Rezek (2013, p.90), a reserva é uma declaração unilateral do Estado que consente, visando a excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado. A reserva é fenômeno que incide em tratados multilaterais cuja negociação nem todos os Estados partícipes poderão ter apreciado de forma positiva cada uma das normas que compõe o texto.

[9] Ver art. 129, I e II da PORTARIA Nº 212, DE 30 DE ABRIL DE 2008.

[10] Ver art. 17, II, a, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

[11] Ver art. 58, §2º, inciso I da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

[12] É a primeira parte das sessões deliberativas do Senado. Com duração de duas horas, esse período destina-se à apresentação de proposições, comunicações enviadas à Mesa, leitura de ofícios e outros documentos recebidos pela Casa, pronunciamentos e comunicações inadiáveis. Também são feitas nesse tempo manifestações de pesar, comemorações e homenagens.

[13] Ver art 376, II, do Regimento Interno do Senado Federal.

[14] Parte da sessão destinada à leitura do expediente e pronunciamentos. O principal critério para inclusão de matéria na ordem do dia é sua antiguidade e importância.

[15] Ver: http://dai-mre.serpro.gov.br/apresentacao/tramitacao-dos-atos-internacionais/

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Alexandre Batista
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Direito das Relações Internacionais e Processos Políticos.

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