Alexandre Batista
5 min readApr 8, 2021
Acervo Pessoal

A Política da Diplomacia Cultural

Normalmente quem pensa em se tornar diplomata o faz na expectativa de construir um mundo mais seguro, mais justo e menos desigual. Tais aspirações, embora utópicas, são louváveis. Dizia Mario Quintana que devemos querer as coisas, mesmo que inatingíveis. No mesmo sentido, Galeano asseverou certa vez que a utopia serve para nos fazer andar.

A diplomacia até pode ser encarada como promotora da paz, uma vez que respalda a construção de relações por meio da concórdia, mas é importante ter em mente, de forma permanente, que a diplomacia é um instrumento político que serve aos interesses nacionais, quase sempre oriundos de linhas traçadas pelo Chefe de Estado.

Tais linhas são as mais diversas e quase sempre temos contato com a alta política, a exemplo das grandes negociações em âmbito multilateral, os processos de integração regional, defesa de controvérsias comerciais e tantas outras. Porém, há pouco costume de tratar da baixa política, em especial, as políticas culturais.

É inevitável não associar os temas de cultura a algo diminuto, vide a próprio nomenclatura atribuída a eles pela política internacional: low politics. Embora pareça corriqueira, a cultura sempre foi um útil instrumento para conseguir o que se deseja.

Em primeiro lugar, podemos analisar a própria concepção do Palácio dos Arcos, sede do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. A construção foi inteiramente produzida com materiais brasileiros. Desde madeiras, pedras, plantas, artes: tudo é nacional. E essa escolha não é por acaso. O Itamaraty é o primeiro cartão de vistas do país para nações estrangeiras. Não é incomum, em caso de visitas de autoridades, haver um tour pelo prédio, que reúne pinturas de grandes nomes da arte nacional a exemplo de Pedro Américo, enormes jardins com paisagismo de Burle Marx, treliças e paredes de Athos Bulcão e os traços de Oscar Niemeyer, enfim, a cara do Brasil.

Arquivo Pessoal
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Devemos encarar a cultura a partir de dois eixos: i) o da própria identidade de um povo e ii) o artístico, em si. A diplomacia tem uma atribuição dificílima, especialmente no caso do Brasil, jovem país que, embora não pareça, ainda está em formação: explicar para a comunidade
internacional quem somos e para onde queremos ir.

É a partir dessa noção que trabalha a diplomacia cultural. O Itamaraty, a partir das diretrizes de política exterior determinadas pelo chefe do Poder Executivo, atua na difusão da cultura brasileira no exterior. Para isso, ressalta a singularidade do nosso país a partir da divulgação de artistas em suas múltiplas e variadas vertentes, a fim de revelar afinidades que nos une a outros povos e vice-versa.

Nesse sentido, por meio da diplomacia cultura, o Brasil busca estimular a cooperação e fomentar o entendimento mútuo a partir do estabelecimento da confiança entre interlocutores. A Cultura desperta o interesse de nações e as aproxima de nosso país, tornando-se instrumento estratégico de abertura de mercados e desenvolvimento de novos negócios.

Atua a diplomacia cultural brasileira, ainda, na busca permanente de cooperação com importantes atores do meio. Dessa forma, cabe aos postos no exterior fechar parcerias com Universidades, Museus, Bibliotecas, Imprensa e tantos outros stakeholders relevantes a fim de promover nosso idioma, nossos artistas, nossa gastronomia e, também, criar intercâmbios acadêmicos entre os países.

Outro poderoso recurso da diplomacia cultural brasileira reside nos Centros Culturais Brasileiros que oferecem aulas de língua portuguesa, inclusive para as Comunidades brasileiras no exterior a fim de manter o português como língua de herança, e outras atividades relacionadas à cultura brasileira.

Em outra ponta, há a difusão cultural, propriamente dita, que promove e difunde a cultura brasileira no exterior. Entram aqui a divulgação de shows e apresentações de artistas brasileiros das mais variadas vertentes. Aqui, ainda, entra a atuação dos diplomatas que estão nos postos no sentido de identificar manifestações culturais brasileiras que mais despertam a curiosidade do país em que estão lotados a fim de, em conjunto com a Secretaria de Estado, construir projetos culturais nos postos.

Embora eu tenha iniciado este texto atribuindo à diplomacia cultural a alcunha de baixa política, é preciso dizer que são diversas as trativas culturais nos foros internacionais. Há, sim, uma vertente multilateral da cultura e o Brasil tem tradicional atuação nessa arena. São diversos os tratados e demais atos internacionais oriundos de organizações internacionais como a UNESCO - destaco aqui um texto em que já tratei da importância da diplomacia cultural para a proteção da herança cultural em casos de guerra - e OEA, além dos que advém dos mecanismos inter-regionais, a exemplo do BRICS e IBAS e dos processos de integração regional, como o Mercosul.

Em suma, embora este texto tenha parecido material de propagando do MRE, o escrevi com o intuito de mostrar que há, sim, vida além dos grandes temas da política internacional. A diplomacia cultural é valioso instrumento de aproximação entre povos e presta importante papel, inclusive, para a promoção comercial de um país. É por meio da cultura que nos identificamos como brasileiros e é por meio dela, também, que o mundo passa a ter maior interesse em quem somos.

O Brasil conseguiu ao longo de mais de um século construir sua imagem de defensor da busca do consenso, da solução pacífica de controvérsia e não intervenção tanto pela brilhante atuação do patrono de nossa diplomacia, Barão do Rio Branco, quanto pelo desenvolvimento de políticas culturais - mesmo que até meados do século XX não tenha havido na estrura da Administração Pública órgãos com essa função específica - que mostraram ao mundo uma país amigável e disposto a dialogar com todos.

É inegável que a diplomacia cultural é um instrumento político, sério e que traz diversos benefícios ao Brasil. Talvez por ser músico, meu interesse pelo tema é quase óbvio; por ser Internacionalista, nem tanto, mas exatamente por isso passei a vê-la com os olhos de um analista que busca, sempre, entender os meandros políticos em qualquer ato.

Alexandre Batista

Direito das Relações Internacionais e Processos Políticos.