Defesa Nacional e Relações Exteriores — O caso do Gripen

Alexandre Batista
8 min readOct 23, 2020

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Hoje, 23/10, comemora-se o dia da Força Aérea Brasileira. A eferemeridade está diretamente relacionada com a celebração do grande feito de Santos Dumont — patrono dos aviadores brasileiros -, o voo do 14-Bis.

São inegáveis os impactos desta data para as relações internacionais. O bem-sucedido invento de Dumont mudou — para bem e para o mal — a forma como os Estados passaram a se relacionar. Oito anos (1906–1914) se passaram entre o primeiro voo do 14-Bis e o uso de aeronaves na I Guerra Mundial e comercialmente.

Mais de cem anos se passaram desde o início da Era da aviação e a importância das aeronaves só aumentou. Seja do ponto de vista econômico/comercial, ao transportar milhões de passageiros e cargas pelos quatro cantos do globo, seja do ponto vista estratégico. É neste aspecto que este ensaio irá concentrar suas atenções.

O Brasil, país de dimensões continentais, necessita de uma Força Aérea robusta, com ampla capacidade de controlar os mais de 22 mil km² de território. Foi pensando nisso que em 2013, Governo Federal deu início ao processo de compra e melhoria das aeronaves de caça do país. Por meio de processo licitatório, venceu o Grupo suéco SAAB. Quase sete anos depois, o Gripen será apresentado ao povo brasileiro.

Defesa Nacional e Relações Exteriores

O Brasil é uma potência mundial. Embora ainda caminhe para se constituir como uma grande potência, o tamanho de nosso território (5º maior do mundo), nossa robusta economia (8º maior do mundo) e nossa expressiva projeção internacional nos coloca como um ator internacional incontornável.

E é justamente nossa dimensão territórial que torna necessário esforços para que seja consolidado o Poder Nacional. Em outras palavras, é indispensável que o Brasil disponha de capacidades para alcançar seu interesse nacional. É a partir dessa lógica que surge a Política de Defesa Nacional (PND).

Entende-se por Defesa Nacional o conjunto de atitudes, medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do Território Nacional, da soberania, e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas.[1] Nesse sentido, entende-se que a Defesa é indissociável do desenvolvimento do país.

Cabe destacar o amplo — e óbvio — interesse das Forças de Defesa no entorno estratégico brasileiro. Barão do Rio Branco já assevera que apenas a paz poderia garantir a estabilidade regional; e somente com estabilidade haveria efetivo progresso sul-americano.[2] É por esta razão que a Política Nacional de Defesa estabelece como área de interesse prioritário o entorno nacional, que engloba a América do Sul, o Atlântico Sul, os países da costa ocidental africana e a Antártica.

Tal prioridade se confirmar ao verificarmos os números referentes ao território nacional:

- Área Territorial: 8.5 milhões de km²;

- Área oceânica (Amazônia Azul): 5,7 milhões de km²;

- Área litoranea: aproximadamente 7.500 km de extensão;

- Fronteiras Terrestre: 17.000 km;

- Países limítrofes: Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname e Guiana Francesa (Departamento Ultramarino da França).

A Política Nacional de Defesa, portanto, está em consonância com os ditames constitucionais que regem suas relações internacionais inseridos no art. 4º. Observa, dessa forma, a projeção internacional do Brasil no concerto das Nações, fato que exige ampla coordenação diplomático-militar.

Visa, em suma, garantir a defesa da soberania, dos interesses nacionais e da autodeterminação dos povos. De acordo com os fundamentos da Escola Superior de Guerra, entende-se por soberania nacional a:

“Manutenção da intangibilidade da nação, assegurada a capacidade de autodeterminar-se e de conviver com as demais nações em termos de igualdade de direitos, não aceitando qualquer forma de intervenção em seus assuntos internos, nem participação em idêntico processo em relação a outras nações. Enfim, é busca de seu próprio destino; igualmente, a soberania significa supremacia da ordem jurídica do Estado em todo o seu território”[3]

Pode-se verificar, portanto, que é inviável analisar a temática da Defesa Nacional sem um olhar direto para as relações internacionais e, consequentemente, para a Política Exterior dos Estados. O item 2 do Decreto 5.484/2005 traz justificativas relativas ao ambiente internacional que justificam a necessidade de uma política de Defesa bem estabelecida.

‘’ O mundo vive desafios mais complexos do que os enfrentados durante o período passado de confrontação ideológica bipolar. O fim da Guerra Fria reduziu o grau de previsibilidade das relações internacionais vigentes desde a 2ª Guerra Mundial. Nesse ambiente, é pouco provável um conflito generalizado entre Estados. Entretanto, renovaram-se no mundo conflitos de caráter étnico e religioso, a exacerbação de nacionalismos e a fragmentação de Estados, com um vigor que ameaça a ordem mundial.’’

Aduz, ainda:

‘’O fenômeno da globalização, caracterizado pela interdependência crescente dos países, pela revolução tecnológica e pela expansão do comércio internacional e dos fluxos de capitais, resultou em avanços para uma parte da humanidade. Paralelamente, a criação de blocos econômicos tem resultado em arranjos competitivos. Para os países em desenvolvimento, o desafio é o de uma inserção positiva no mercado mundial.

Nesse processo, as economias nacionais tornaram-se mais vulneráveis às crises ocasionadas pela instabilidade econômica e financeira em todo o mundo. A crescente exclusão de parcela significativa da população mundial dos processos de produção, consumo e acesso à informação constitui fonte potencial de conflitos.’’

Pelas razões expostas, tornou-se incontornável a coordenação constante entre o Ministério Defesa e o de Relações Exteriores a fim de buscar maiores recursos e capacidades para tornar efetiva a Política de Defesa Nacional.

É nesse cenário que surge um dos projetos mais importantes das últimas décadas em matéria de Defesa. A aquisição dos Caças Gripen F-39.

GRIPEN F-39

O Programa FX-2 da Força Aérea do Brasil deu início à reformulação da frota de seus aviões de caça. Em 2013, após processo de licitação internacional, a empresa suéca SAAB, sagrou-se vencedora.

O projeto visa a compra de 36 caças Gripen NG ou F-39, como será chamado no Brasil. Serão 28 Gripen — E monoposto (um tripulante) e 8 Gripen — F biposto (2 tripulantes). De acordo com o Ministério da Defesa, trata-se da mais moderna e avançada plataforma multimissão da FAB.

Os aviões terão papel estratégico na FAB. Em primeiro lugar, garantirão o cumprimento do que está estabelecido na Política Nacional de Defesa, especialmente no que diz respeito ao garantir a soberania territorial do Brasil. Farão isto impedindo o uso do espaço aéreo nacional para a prática de atos hostis ou contrários aos interesses nacionais. Para isto, a FAB precisa dispor de capacidade de vigilância, controle e defesa do espaço aéreo, com recursos de detecção, interceptação e destruição.[4]

De acordo com o Ministério da Defesa, os caças Gripen NG são projetados para emprego em missões ar-ar, ar-mar e ar-solo. Elas também são dotadas de um sistema de reabastecimento em voo que permitirá a realização da defesa do espaço aéreo nos pontos mais remotos do Brasil.

O projeto envolve grande cooperação entre Brasil e Suécia. Isso se deve em razão dos termos do o Acordo-Quadro entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Reino da Suécia sobre Cooperação em Matéria de Defesa, assinado em Estocolmo, em 3 de abril de 2014.[5] Para além do simples processo de compra e venda, o Acordo prevê, ainda, cooperação entre as partes em assuntos relativos à defesa, com ênfase nas áreas de pesquisa e desenvolvimento, apoio logístico e aquisição de produtos e serviços de defesa.

Em outras palavras, além de adquirir aeronaves de ponta, o Brasil também garantiu a transferência da tecnologia de fabricação do Gripen. Isso significa relevantes ganhos do ponto de vista estratégico, uma vez que, em pouco tempo, o Brasil também poderá fabricar e revender os caças. De acordo com a FAB, a aquisição do caça representa a possibilidade de entrada do Brasil como parceiro em um programa de alta tecnologia que promoverá reflexos em toda a indústria de defesa nacional.

Conclusão

Defesa Nacional e Relações Exteriores estão intimimamente relacionadas. Ambas as pastas cuidam dos interesses nacionais. Aquela cuida da dissuasão ou o enfrentamento de ações hostis, esta é o instrumento político de que dispõe o Estado para negociar e representar seus interesses no exterior.

Seus objetivos maiores visam garantir a soberania nacional. O Brasil, por se tratar de um país de dimensões continentais e por ser uma potência média que guarda em seus limites diversas riquezas naturais, precisa de um planejamento estratégico diplomático-militar que o proteja.

A Constituição Federal de 1988 estabelece que República Federativa do Brasil tem como fundamento a soberania que suas relações internacionais têm como princípios a defesa da paz. Sendo assim, entende-se que o pauta sua ação diplomática pela solução pacífica das controvérsias por meio dos negociação bi ou multilateral.

Em uma análise mais pormenorizada, entende-se que a função primeira das Forças Armadas do Brasil é garantir que nossa soberania e nossas riquezas não sofram ingerência internacional. Logo, em um primeiro momento, o Brasil busca a cooperação entre os povos e utiliza suas Forças para proteção e não ataque.

A compra dos Gripen NG cumpre essa função. Sua inserção nas operações da Força Aérea visa a patrulha e a dissuasão a fim de evitar que atos hostis possam se concretizar em nosso espaço aéreo. Para além disso, o Gripen aumentará a capacidade operacional de Defesa do Brasil, fato que o colocará em grande vantagem regional. Haverá, ainda, todo o processo de transferência de tecnologia da Suécia para o Brasil, o que fará do nosso país uma potência na indústria de defesa.

Em suma, o Gripen demosntra a importância da ação conjunta entre Defesa e Relações Exteriores. Tanto as Forças Armadas quanto a Diplomacia brasileira atuam em conjunto na construção de um país mais forte e seguro frente às adversidades comuns em um mundo tão interdependente. Fato que torna cada vez mais importante a ação coordenada entre ambas as pastas estratégicas para o Brasil.

[1] BRASIL. Decreto no 5.484, de 30 de junho de 2005.

[2] LAFER, Celso. A Identidade do Brasil e a Política Externa Brasileira.

[3] SANTOS, Jorge Calvario dos. O Estado-Nação e o mundo moderno.

[4] Ver em: https://www.fab.mil.br/index.php

[5] Ver em: https://concordia.itamaraty.gov.br/detalhamento-acordo/7527?TituloAcordo=Acordo-Quadro%20entre%20o%20Governo%20da%20Rep%C3%BAblica%20Federativa%20do%20Brasil%20e%20o%20Reino%20da%20Su%C3%A9cia%20sobre%20Coopera%C3%A7%C3%A3o%20em%20Mat%C3%A9ria%20de%20Defesa&tipoPesquisa=1&TipoAcordo=BL,TL,ML

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Alexandre Batista
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Written by Alexandre Batista

Cientista Político. Direito Internacional e Diplomacia.

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