A Política Internacional da Descolonização: O caso dos Territórios Não -Autônomos.
O fim da Segunda Guerra Mundial trouxe mudanças expressivas para a ordem internacional e, consequentemente, em como as nações passaram a lidar com as relações internacionais. Uma alteração que merece destaque foi a criação, em 1945, da Organização das Nações Unidas, cujo intuito central reside na promoção da paz e da segurança internacionais.
Com o término do conflito, muito em razão do declínio internacional das potências coloniais e do surgimento de levantes de independência dentro das colônias, a descolonização passou a ter relevo na agenda política internacional, especialmente nas Nações Unidas. Em novembro de 1961 a Assembleia Geral adotou a Resolução 1654 (XVI) que estabelecia a formação do Comitê para tratar da ‘’Situação em Relação à Implementação da Declaração de Outorga de Independência da Países e Povos coloniais’’.
Após dois anos de trabalho, no entanto, a Comissão não teve resultados satisfatórios e emitiu Relatório mostrando-se apreensiva com a recusa de certos países em não cooperar com o processe de descolonização, fato que já trazia, e que certamente permaneceria trazendo, sérias consequências para a paz e segurança internacional. No total, mais de 70 países estavam sob o controle de outros Estados, vivendo em sistemas coloniais ou sem autonomia governamental. Este texto visa trazer breve compreensão do que são os Territórios Não-Autônomos e porquê ainda hoje se faz necessário o acompanhamento das Instituições Internacionais para a solução de lides tão antigas.
1. O Estado
Contextualização Histórica
O Estado moderno surge no contexto da Paz de Westphalia, evento que marca a celebração de tratados de Osnabrück e Münster, em 1648, que, além de marcarem o fim da ‘’Guerra dos Cem Anos’’, representam a criação de um novo sistema internacional europeu uma vez que as tratativas de Westphalia forjaram a criação de um sistema secular e não mais medieval ou de cristandade. Como bem assevera Bruno Carvalho (2018) é neste momento histórico em que a Raison d´état ou razão de Estado/interesse nacional passam a vigorar de forma mais efetiva.
Outro fator importante da Paz de Westphalia diz respeito à busca pela paz e segurança. Nos onze tratados estabelecidos durante as Conferências, surgem ideias modernas de diplomacia para a solução de conflitos, a noção de soberania e da balança de poder a fim de evitar o surgimento de novas potências hegemônicas. Desta forma, é possível depreender que foi neste período em que surgiram os conceitos modernos de Soberania, Estado e Equilíbrio de Poder.
É importante salientar, porém, que, em termos de relações internacionais, não é historicamente correto situar seu surgimento nos eventos de 1648. Cabe aqui, apenas como exercício imaginativo, a lição de Eugenio Vargas Garcia:
Assim, de um ponto de vista histórico-mundial, as relações internacionais teriam começado no primeiro contato entre bandos nômades caçadores-coletores no Paleolítico, antes, portanto, do advento da agricultura e da transição do nomadismo para as sociedades sedentárias (Neolítico) […] há 50–40 mil anos, adentrando o Paleolítico Superior.
Conceito de Estado
Antes de compreender o que são esses territórios não-autônomos, faz-se necessário entender qual o conceito de Estado. Na concepção de Vattel, em O Direito das Gentes, 1758:
As Nações ou Estados são corpos políticos, sociedades de pessoas* unidas em conjunto e de forças solidárias, com o objetivo de alcançar segurança e vantangens comuns. [Grifei]
De acordo com Thales Castro (2016), existem duas gerações de pensamentos sobre o nascimento estatal. Na primeira, o surgimentos dos Estados tem a ver com seus elementos constitutivos, logo, tem o caráter de diferenciar Estados de meras posses territoriais, departamentos ultramarinos ou regiões administrativas; a segunda geração, por sua vez, avalia os elementos de autogoverno e autoadministração (efetividade do aparelho burocrático nacional).
1.1 Elementos constitutivos do Estado
Para fins de Direito Internacional, o surgimento de um Estado demanda a reunião dos elementos constitutivos de um país, quais sejam:
a) Ostentar uma população permanente;
b) Possuir Território definido;
c) Ter um Governo efetivo[1];
d) Independência enquanto soberania externa;
e) Ter a capacidade de estabelecer relações com outros Estados[2] — (De acordo com a Convenção de Montevidéu 1933).
Nota-se a importância da população para o surgimento de um Estado. Isso ocorro porque um Estado só é considerado efetivamente soberano se seu povo tem a capacidade de autodeterminar-se, ou seja, se ele próprio pode decidir seus rumos políticos, econômicos, sociais e culturais.
É exatamente neste ponto que surgem os territórios não-autônomos.
Territórios Não-Autônomos
Um ano após o surgimento da ONU (1946), surge o debate acerca da necessidade de descolonização. Apenas na década de 60 é formada uma Comissão para tratar do tema. Para fins conceituais, entende-se por Territórios Não-Autônomos aqueles que estão sob Administração de outros Estados. Em outras palavras, são áreas geográficas sob domínio de outros países.
A Declaração que criou o Comitê Especial sobre a situação em relação à Implementação da Declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais assevera que todos os povos têm direito à autodeterminação e proclama, ainda, que o colonialismo deve ser levado a um fim rápido e incondicional.
Entre a década de 1960 e hoje, mais de 80 países conquistaram a independência, restando apenas 17 sob Administração de outros Estados. Um exemplo próximo a nós brasileiros é o caso da Malvinas (Falklands). A ilha segue até hoje sob Administração do Reino Unido e tem a soberania reclamada pela Argentina.
Conclusão
É inegável que ainda hoje o mundo vive sob as sombras do colonialismo. Dos 17 países que ainda são considerados Territórios Não-Autônomos, todos são ilhas espalhadas pelo globo, com relevância aparentemente pequena. No entanto, interesses geopolíticos fazem com que ainda existam disputas em relação à soberania desses territórios. É, portanto, de suma importância para a manutenção da estabilidade mundial que as Nações Unidas e toda a comunidade internacional sigam empenhadas na busca de soluções pacíficas para estas lides.
[1] O Governo é o único elemento constitutivo que pode estar ausente (temporariamente) sem que o Estado deixe de existir.
[2] Em verdade, esta capacidade de estabelecer relações é consequência da existência de um Estado e não propriamente elemento constitutivo.
*No texto original utiliza-se a palavra ‘’homens’’, mas o autor entende não ser apropriado aos tempos atuais.